sexta-feira, 29 de março de 2013

terça-feira, 26 de março de 2013

Vinte e seis às avessas

Foto: Dani Peraze


Apague a luz, meu bem. E tranque a porta. Vamos guardar nosso amor aqui para a eternidade.

Assim mesmo no escuro, porque ele não pode mais brilhar. Ele cresceu, transbordou, não se bastou e quebrou. Essa ruptura é triste.

Mas fiquemos no escuro: você, nosso amor e eu, para a eternidade. Sem influência dos novos olhares, nos guardaremos aqui com nossos sonhos, cheiros e memórias.

Vamos ser nós mesmos, não vamos ser morte. Apenas partida e lembrança dentro do quarto escuro.

Toda uma vida, nossa vida, para o resto de nossos dias.

quinta-feira, 21 de março de 2013

Conversa íntima

Senta aqui, meu filho. Puxa a cadeira e senta que preciso lhe falar. Você precisa saber algumas verdades da vida. Preste atenção às minhas palavras. Estou fraco, mas preciso lhe dizer. Pode ser que você não entenda tudo agora, assim de imediato, mas fique calmo que tudo fará sentido. Quero que você seja forte. Um homem forte que esse seu velho avô aqui não foi.

O garoto botou a cadeira ao lado da cama e se sentou. Tinha um olhar curioso, varria lentamente cada canto do quarto. O avô ali deitado, pálido, magro, pele muito enrugada, tossia uma carreira a cada pausa de frase. Ele esperava, oferecia água e ouvia os conselhos.

Sempre fui um homem manco. Não no sentido físico, minha perna sempre foi boa. Mas sempre precisei de alguém pra me apoiar. Eu sempre fui medroso e nunca soube organizar muito bem as idéias. A maré vinha e eu apenas ia, no vai e vem que ela quisesse me levar.
Eu sempre segui o sonho dos outros. Sempre fiz o sonho dos outros o meu sonho. Porque pra dizer bem a verdade, não me lembro de ter seguido um sonho que era meu sem ter que me apoiar em alguém.
Mas, filho, entenda: não estou dizendo que é ruim sonhar com outra pessoa. O ruim é não saber se fazemos algo por querer ou apenas por estar. E eu sempre precisei de alguém pra me apoiar. Mas também nunca soube como envolver as pessoas que eu queria por perto.
Sempre fui um homem fraco que gostava de mulheres fortes. Elas me suportavam, elas me davam o tom. E eu ia, vivia.

Mas filho... - pausa para a tosse. Aquela tosse cheia de catarro, como se acumulasse toda a amargura de uma vida. Era uma carreira de tosse barulhenta, desesperada, como se quisesse de uma vez por todas tirar um monte de coisa dentro de si. O menino segurou sua mão e ofereceu um pouco mais de água.

Filho, não estou sendo totalmente sincero. Houve uma vez que tive um sonho meu. Eu amei uma mulher. A única que de fato amei em toda minha existência. E, como não podia deixar de ser, fui fraco e a deixei ir embora. Eu a vi ir embora e não fiz nada. Fui eu que a mandei embora. Por que? Por burrice. Por achar que eu estava sendo forte no meu momento mais fraco. Então, meu filho, te digo: seja forte e siga seus sonhos.

O velho tossiu sua carreira catarrenta e amarga de novo. Dessa vez, já tinha um copo d'água nas mãos e deu três goles. Era difícil falar sobre essas coisas, mas se sentia na obrigação de alertar seu neto. Mais que isso, sentia necessidade de desabafar todo aquele peso de uma vida, daquela mesma vida cheia de derrotas que ele fingiu ser nada.

Eu sempre quis ser admirado. Queria aplausos, o tempo todo se fosse possível. Buscava isso em cada passo, em cada olhar. Demorei tempo demais para entender que pessoas medíocres não são admiradas. Demorei essa vida toda. Tive que cair aqui nessa cama para compreender.

Mas eu sou mesmo um velho besta! Por que estou te falando tudo isso? É claro que você é um garoto forte. Eu torço para que seja um homem forte, coisa que nunca consegui ser. Mascarei tudo na vida, fingi, sofri. E agora estou aqui morrendo. Bom, abre essa janela que preciso de ar. E me passa aquela pastilha doce que de amarga já me bastou essa vida.

E o neto estendeu a mão no pote que estava sobre a cômoda, passou a bala para o avô e foi abrir a janela. A brisa que batia a tarde era boa, mas não livrava o velho da tosse, da vida. O garoto seguiu pensativo, com seu olhar curioso varrendo os cantos do quarto.

quarta-feira, 13 de março de 2013

Fora de órbita



Era preciso sabedoria, e ela sempre lhe faltava. Era preciso noção, e lá raras vezes ela estava. Então foi preciso engolir seco e segurar as lágrimas nos olhos. Foi difícil. Mas também foi o risco que se quis correr.

Não há minuto para externalizar o lamento. Depois de ignorar a sinceridade o que resta é se calar. E calou. Sempre no momento errado de ser. O grito que foi dito quando não devia, a palavra que não foi solta quando devia. Tudo fora de órbita.

A única coisa que não errou o compasso foi o amor.  Porém foi golpeado antes de completar seu percurso.

domingo, 10 de março de 2013

Pensando alto

Daí ela se perguntou:
é possível sentir saudade assim?

Era. Não sabia como, mas era. E sentia. Lembrou do sorriso, da delicadeza nos gestos, do beijo no olho. E essa saudade também lhe arrancava sorrisos sinceros.

Suspirou e foi molhar os pés no mar para agradecer.