quinta-feira, 26 de dezembro de 2013

Dia abafado



Parece janeiro - pensou ao sair do trem. Aquele calor úmido, dia abafado. Lembrou das tardes no interior do Mato Grosso, onde alguns dias de verão deixaram de ser luminosos, para serem dias cinzas chuvosos.

O gado perdia toda sua beleza naquele amanhecer sem esperança.
De baixo daquela garoa grossa, chuva fina, nada era atraente. O que iria florescer?

Abriu o guarda-chuva e caminhou pela calçada. Larga os pensamentos, menina! - sacudia ela em pensamento. Então preferiu sonhar com um filme de sessão da tarde.
Embora nunca tenha se concentrado em algum título específico, nem considera as histórias magníficas. Criou uma história mais colorida para seu dia.

Fica em pensamento, beibe. E segue. O sol voltará amanhã.

terça-feira, 24 de dezembro de 2013

Telma



Você acha que me conhece né, Telma? Mas olha, fique sabendo que eu te conheço muito bem também. Não vou ficar medindo quem conhece mais... Apenas me diga não com o coração, se é isso mesmo que você quer me dizer.

É não? Então não fique na dúvida, não se influencie pelas minhas palavras. Não é não. E é preciso saber dizer de forma concreta, sem arranhar a garganta. Te liguei pra te dizer isso, porque não me conformo com seu corpo dizendo uma coisa e sua boca dizendo outra. Eu só queria te mostrar que isso é vida, não as fantasias que você cria. E já que não me atende, prefere me escutar pela secretária eletrônica, vou aproveitar pra dizer que tentar é vida e não fugir como você está fazendo agora.

Antes de te ligar, procurei no Google o significado do seu nome. Haha.. nem sei por que fiz isso, mas me deu vontade. Olha você deveria procurar também! Sabe o que dizia? Quer saber? Vou te contar...

Telma: cheia de vontade.

Se eu parasse aqui ia fazer sentido, mas havia muitas outras coisas que você deveria ler pra ver se faz sentido. É isso. Vou desligar. Depois não me diga que eu não tentei...

Telma, atende! Por favor, Telma...

quarta-feira, 11 de dezembro de 2013

Mão dupla

preciso de mais tempo
preciso de mais vida

pela janela do carro
pela janela da tela

um amigo anuncia a partida
um amigo anuncia a canção

aos poucos vou trocando a noite pelo dia
aos poucos vou trocando o dia pela noite

são só contratempos
são só pensamentos

que vem e vão.

quinta-feira, 21 de novembro de 2013

Evolução


Estive parada no tempo. Estive olhando as estrelas. Estive em frente ao espelho.
Quanto tempo estive aqui?

Segundos, horas, meses, anos? Nem sei. Só sei o que aprendi.
O aprendizado não se mede em tempo.

É incrível a evolução que existe quando se olha pra dentro.

terça-feira, 22 de outubro de 2013

Tempos modernos

Então foi isso? Era isso que fazia falta? A timeline do Facebook cheia de felicidade plástica.

Sempre achei que era pra ser diferente. Mas ser diferente é difícil, não é? Hoje vejo somente a necessidade de ser como todos os outros.

Dá menos trabalho, exige menos esforço e rende muito mais ‘likes’.

segunda-feira, 7 de outubro de 2013

Ah, outubro...


Foi um longo e tenebroso inverno. O mais terrível de todos os tempos. Nunca havíamos passado por nada parecido. Já tivemos invernos difíceis, mas nada se compara. Vimos quase todos os acontecimentos climáticos e meteorológicos. E, sim, tudo isso no Brasil.

Quando criança a gente aprendia na escola que o Brasil era um lugar onde não se faz muito frio, não há tornados nem terremotos. Faz tempo que deixei a escola. Espero que hoje as crianças aprendam de um modo diferente. Espero que desde cedo sejam ensinadas a lidarem com as fortes tempestades e tornados internos.

Houve dias em que nem saí de casa. Vários dias, na verdade, sem nem botar os pés na calçada. A lareira que há 30 anos serviu apenas de enfeite para a sala de estar foi usada pela primeira vez. Houve dias que nem mesmo me levantei da cama.

Não gosto do frio porque ele traz muitas dores. Sobretudo, este inverno foi assim. O mais terrível e difícil, o mais frio. O cheiro predominante de naftalina, pois fomos pegos de surpresa. Não houve tempo para lavar os casacos, não houve tempo para se preparar. Ninguém nunca imaginou que algo assim fosse acontecer. E os olhares se cruzavam com a mesma pergunta sem resposta. Longas horas, como se os ponteiros dos relógios tivessem ganhado oitenta quilos e fosse difícil de se arrastar.

Porém veio setembro. Ainda com resquícios, alguns lugares com neve nas calçadas, outros com objetos e sujeiras carregados pelo vento. Os jardins ainda tímidos de tão úmidos que estavam. Foram muitas chuvas, foram muitas lágrimas. E seguimos, e lutamos.

Então, veio outubro. Como de costume saí para o trabalho e, ao dobrar a esquina, logo depois de onde estão as árvores mais fechadas, avistei por entre os galhos ainda, o meu primeiro raio de sol refletido numa flor. Então pensei: obrigada, Primavera, você chegou. Agradeci depois de novo em voz alta. É a minha primavera que vem aí, para espantar o frio, a chuva, o cheiro de naftalina e florir o meu jardim.

quarta-feira, 18 de setembro de 2013

Pela janela


Não sejamos tolos. Não sejamos hipócritas. Qual é o verdadeiro fundamento? Vê aquela janela? Fechada. Pois é... Semana passada vi um homem jogar sonhos por ela. Jogou fora, tudinho. Para onde foram? Alguns morreram na calçada. Outros escaparam um tiquinho para a rua, mas logo um caminhão passou. Ainda tiveram outros que voaram, mas desses não sei dizer o fim. Acredito que estão perambulando por aí, procurando uma árvore para pousar. Será?

Só sei que não concordo. Aqui da minha esquina, observo e não concordo. Por quê? Ora... é fácil voar de balão e achar a rua bonita. Mas bota sua cadeira aqui do lado, dia após dia, noite após noite. Debruce seu olhar neste ângulo e só então venha me falar de beleza ou seja lá do que for. Mas eu sei a importância e motivo de cada grão de poeira que cá está. Foram necessários muitos momentos para que eu compreendesse e, acredite, não foram os momentos felizes que me proporcionaram esse entendimento. Demorei bastante para aprender a não ser leviano, a não julgar. Porém também sei que nada está livre de julgamento. Já a hipocrisia me irrita demais...

Agora eu lamento pelos sonhos. Desse pensamento não me livrei. Simplesmente por que cada sonho tem um pedacinho do fundamento mais importante, o amor. E cada vez que você joga fora, é uma parte muito importante de vida que se vai e que jamais se recupera.

O homem? Está lá dentro e nunca mais o vi na janela. Mas com minha sabedoria sei que ainda há uma janela aberta. Qual? A mais importante, o coração.

sexta-feira, 6 de setembro de 2013

Lucidez

Só agora estou pronta. A fato é que a gente nunca está pronta, até se dar conta. Tem sido dias difíceis. Os 365 dias mais difíceis desses quase 30 anos. Mas eu sigo, com o conforto e confronto da lucidez. 

segunda-feira, 26 de agosto de 2013

Depois da rotina



A rotina me pegou e tive o meu pé moído. Doeu muito. Não é fácil ser engolida assim. Gritei e pedi sua ajuda para tentar escapar, mas você soltou minha mão.

Apesar da dor, não desisti. Escapei sozinha. Sequei minhas lágrimas e fiz um curativo. É difícil andar de muletas, mas eu sigo. É melhor estar manca do que cega ou totalmente triturada.

quarta-feira, 7 de agosto de 2013

(...)

Fico sozinha com as horas. Fico sozinha com o silêncio da madrugada, interrompido pelo apito do vigia noturno.

Queria nunca mais ter pontos, somente vírgulas. Queria ter o botão que aperta e esquece tudo. Queria ter o canto, o bonsai e a orquídea.

Quando a gente vê já se foi quase um ano. Já se foi um ano. E em uma única hora muitos anos se foram. A lágrima confunde as horas vazias da madrugada, me fazendo esquecer tudo o que tinha pra dizer.

quarta-feira, 31 de julho de 2013

Ato falho


Os motivos são sempre banais. Os atos são sempre impensados. As desculpas são sempre esfarrapadas. Não poderia pelo menos ser por algo que realmente vale a pena?

Quando foi que sinceridade e mentira fizeram parte do mesmo saco? As pessoas seguem sem saber a diferença entre desejo e amor.

A vida? Essa também segue. Cada dia mais triste e acuada pelos tantos atos falhos desse mundo.

terça-feira, 16 de julho de 2013

Palavras


Se fosse pra escolher, preferia ter felicidade a ter frases. Queria ter sorrisos, amores, flores no café da manhã.

Minhas frases sempre mal interpretadas, se perdem sempre no contexto errado. Elas são levadas para outros caminhos.

Aqueles caminhos tortos, que de tão tortos não me permitem ver a felicidade no horizonte.

segunda-feira, 8 de julho de 2013

Segunda-feira


A mesma cama. A mesma casa. A mesma rua. O mesmo ônibus. O mesmo caminho. O mesmo trabalho. As mesmas pessoas. Os mesmos lugares. Os mesmos ais.

sexta-feira, 5 de julho de 2013

Era cinza

Foto: Pinterest

Passos no escuro pela sala. A pergunta é sobre o compasso. Um jogo sem resposta.

Debaixo do edredom cinza. A pergunta sobre as cores. As hipóteses vem e vão. Mas durante a madrugada surgiu uma proposta sobre a indagação do dia cinza.

O fato é que cinza também é cor. Nós é que insistimos em achá-lo apagado, mas há um tanto de beleza.

É preciso identificar, saber observar e se deleitar de prazer.

sexta-feira, 21 de junho de 2013

Conversa sem título

Um monte de palavras vãs. Um monte delas...
Se desfez o laço. Se fosse nó de marinheiro desfazia? - a pergunta que surgiu. É mais que isso. Duas pontas da mesma corda. A mesma. Infinitamente.

É assim que é então? - perguntou ela com seus olhos juvenis.
Mas, ultimamente, vivem cheios d'água.

Andou pensando e às vezes quer o mar. Só que agora queria mesmo uma grande fogueira de São João. Jogar tudo e deixar queimar. Deixar ir. Queimar e ir. Prefere o delírio do fogo do que o delírio de sua alma.

Fechou a porta. Precisa ir. O relógio apita.
Já vai amanhecer seu dia? - mandou em um silencioso pensamento.
Para ela ainda é ontem. Sem São João, sem fogueira, muito menos mar. Sem amar.

terça-feira, 18 de junho de 2013

Caetano se foi

Ah, moço, não sei explicar muito bem. É que ainda nem consegui entender direito. Também não sou muito boa com as palavras, tem coisa que é só sentimento.

É que Caetano só existia ali, no sonho, naquele sonho. Daquele jeitinho que te falei, que tentei te falar. Não é possível que exista outro, pois cada sonho é único, não? Sim é único. Só ali era possível que ele existisse.

Eu nunca vi seu olhar, seu rostinho. Isso não sei como era. Mas eu vi ele correndo com um gingado de quem recentemente aprendeu a andar. Tão bonito. E vi também a quantidade de amor e felicidade que ele trazia consigo. Já me arrancou tantos suspiros. Eu já soltei um monte de sorrisos só de pensar. Agora solto lágrimas.

Me desculpe meu choro, moço, mas é que é difícil pra mim. Você tem filhos? Você tem sonhos?

Meu pedacinho de amor se foi. Ele que nem era ninguém, era só um sonho. Um sonho mesmo, moço. Desses que só existe na nossa cabeça e no nosso coração.

E dói tanto essa perda, como se fosse alguém de verdade. Um dia, quem sabe, poderei sonhar de novo...

quarta-feira, 29 de maio de 2013

Particípio



Seria menos dolorido se fosse um dia de sol? Não sei. Acho que não.

As nuances de cinza fazem aumentar a melancolia. Eu ainda nem sei o que vou fazer.

Preciso de coragem para recuperar a mobília, desempacotar as louças, saber se é possível sonhar...

domingo, 26 de maio de 2013

Inércia


Foto: Pinterest

O metrô está cheio. Fui pego de surpresa, já não era mais hora de estar assim.

Mudei meu horário, por conta própria, pois não aguentava mais andar feito sardinha enlatada dentro do transporte. A única flexibilidade que tenho dentro da minha gaiola, essa mudança de horário. Já a rotina... Ah! Tenho sido massacrado! E também me dei conta de que não conseguirei ler meu livro.

Essa é a novidade feliz dos últimos meses: consigo ler no metrô sem ficar enjoado. Comecei com o celular e agora já estou no livro físico... Pois bem, sem leitura e com angústia. Tenho me sentido muito desconfortável nas multidões. Sempre uma vontade de chorar, aquele nó na garganta que machuca. Os olhos se enchem d'água. Daí fico fingindo que caiu um cisco no meu olho ou que estou com vontade de espirrar, como estou fazendo agora. Isso tudo não porque homem não chora, homem chora um monte e não vejo problema nisso. Mas vejo problema em chorar em meio à multidão. Tem sempre alguém te observando com um olhar meio de lado. E é ruim ter seu sofrimento descoberto quando o que você mais quer é escondê-lo.

A próxima estação está chegando, são doze paradas até meu destino final com uma baldeação. Chegou. As portas abriram e se fecharam. Ninguém desceu, mais gente entrou. Fiquei imóvel. Devia ter saído pra tomar um ar e esperar a próxima composição. Não tive coragem. E ela tem me faltado com freqüência.

Sei lá, às vezes penso que devo fazer outro trajeto ou ir de ônibus só pra ver uma paisagem diferente, só pra ver se muda algo. Nada. Estou cada vez com o olhar mais apático para a vida. Se fosse em outros tempos nem da cama eu levantaria, mas tenho mantido a inércia de viver no piloto automático.

E foi só agora na terceira estação que percebi: estou me sufocando com as coisas que não digo.

terça-feira, 14 de maio de 2013

Procura-se

Falo aquilo que penso, sem medo. Às vezes posso parecer ríspida, mas é só uma crítica, não me leve a mal. Mas sou assim, gosto de falar e de me expor. E não é briga, é apenas conversa. Debate. Debater não é bom?

Não espere confete, meus bolsos sempre estão vazios deles. Também não ache que precisa me jogar confete. Eu não peço. Faça isso apenas se não for te pesar o braço, entende?

Não espere admiração. Sobretudo não a exija. Minha admiração é silenciosa, discreta e muito seletiva. Se conquistá-la apenas sinta-a.

Ah, também faço perguntas. Várias delas. E exijo resposta, mesmo que divagação. Não aceito que fique em cima do muro e apenas me absorva. Isso não! Eu quero ação.

Eu chamo atenção. Não por querer, mas por acontecer. Já me acostumei, então também precisa se acostumar. Dou risada alto quando tenho vontade, quando acho que vale. E não gosto de ser reprimida. Deixe que eu seja eu mesma e seja você também.

Sou colorida, mas tenho meus dias cinzas. Então apenas me respeite. E respeito é a palavra mais importante, é preciso compreendê-la por completo, em todos os seus aspectos.

Sou sentimental, sincera e só me entrego depois de me sentir segura. E se pisar na bola, já era. Também não pise no calo que viro bicho solto.

O resto são singularidades que não consigo descrever, você pode sentir e interpretar da sua maneira.

Então é isso, estou procurando um caminhão que suporte a minha areia.

segunda-feira, 22 de abril de 2013

Meu poema



Surgiu. Na hora certa. Como raras vezes a vida permite que seja.
Veio andando, palavra a palavra, verso a verso. Com olhos que sorriam, arrancando suspiros e sorrisos sinceros.

E eu deixei que viesse, que fosse formado, composto. Meu poema.

Quintana já disse que poemas são pássaros. Às vezes acho que são balões de ar que flutuam sem rumo, enchendo nossos olhos e corações.
E nos invadem, nos definem, nos completam.

terça-feira, 16 de abril de 2013

A cura é homeopática

Acordou com a garganta ruim. Irritada, inflamada, cheia de pus.
Acordou assim porque sonhou com ela. E no sonho gritou em sua cara todo o desprezo que tem carregado por causa seus atos. Falou de todo seu repúdio pelo medo e insucesso dela. Falou de todas essas coisas que ela faz sem pensar. Mas daí acordou. E viu que gritar no sonho não adiantava.

Por que não falar ao vivo?

Porque acha mesmo que cada um tem que ter consciência de suas feridas e saber curá-las. Ela toma tanto remédio que não serve pra nada e demora a compreender.
Lembrou que já lhe disse tantas vezes que antigripal não serve pra dor de cotovelo. E que placebo não cura tosse, muito menos dor no coração.

É necessário aprender que a cura é homeopática e só existe quando olhamos para dentro.

quarta-feira, 3 de abril de 2013

Catarse


Desisti de enraizar o sonho mor. Entendi que não é assim que funciona ou, pelo menos, estou tentando entender. Vou deixá-lo livre para caminhar com o vento. 

O dia que tiver que ser, será. 

O Tempo trará para dentro de mim a maior benção. Ou mesmo Iemanjá vai molhar meus pés e dizer que estou pronta, com o fardo e amor que tiver que ser. 

A vida é sábia, nós é que não somos. 
E é inútil tentar mudar o vento. Os rumos se mudam pelas velas. Pelo coração.


sexta-feira, 29 de março de 2013

terça-feira, 26 de março de 2013

Vinte e seis às avessas

Foto: Dani Peraze


Apague a luz, meu bem. E tranque a porta. Vamos guardar nosso amor aqui para a eternidade.

Assim mesmo no escuro, porque ele não pode mais brilhar. Ele cresceu, transbordou, não se bastou e quebrou. Essa ruptura é triste.

Mas fiquemos no escuro: você, nosso amor e eu, para a eternidade. Sem influência dos novos olhares, nos guardaremos aqui com nossos sonhos, cheiros e memórias.

Vamos ser nós mesmos, não vamos ser morte. Apenas partida e lembrança dentro do quarto escuro.

Toda uma vida, nossa vida, para o resto de nossos dias.

quinta-feira, 21 de março de 2013

Conversa íntima

Senta aqui, meu filho. Puxa a cadeira e senta que preciso lhe falar. Você precisa saber algumas verdades da vida. Preste atenção às minhas palavras. Estou fraco, mas preciso lhe dizer. Pode ser que você não entenda tudo agora, assim de imediato, mas fique calmo que tudo fará sentido. Quero que você seja forte. Um homem forte que esse seu velho avô aqui não foi.

O garoto botou a cadeira ao lado da cama e se sentou. Tinha um olhar curioso, varria lentamente cada canto do quarto. O avô ali deitado, pálido, magro, pele muito enrugada, tossia uma carreira a cada pausa de frase. Ele esperava, oferecia água e ouvia os conselhos.

Sempre fui um homem manco. Não no sentido físico, minha perna sempre foi boa. Mas sempre precisei de alguém pra me apoiar. Eu sempre fui medroso e nunca soube organizar muito bem as idéias. A maré vinha e eu apenas ia, no vai e vem que ela quisesse me levar.
Eu sempre segui o sonho dos outros. Sempre fiz o sonho dos outros o meu sonho. Porque pra dizer bem a verdade, não me lembro de ter seguido um sonho que era meu sem ter que me apoiar em alguém.
Mas, filho, entenda: não estou dizendo que é ruim sonhar com outra pessoa. O ruim é não saber se fazemos algo por querer ou apenas por estar. E eu sempre precisei de alguém pra me apoiar. Mas também nunca soube como envolver as pessoas que eu queria por perto.
Sempre fui um homem fraco que gostava de mulheres fortes. Elas me suportavam, elas me davam o tom. E eu ia, vivia.

Mas filho... - pausa para a tosse. Aquela tosse cheia de catarro, como se acumulasse toda a amargura de uma vida. Era uma carreira de tosse barulhenta, desesperada, como se quisesse de uma vez por todas tirar um monte de coisa dentro de si. O menino segurou sua mão e ofereceu um pouco mais de água.

Filho, não estou sendo totalmente sincero. Houve uma vez que tive um sonho meu. Eu amei uma mulher. A única que de fato amei em toda minha existência. E, como não podia deixar de ser, fui fraco e a deixei ir embora. Eu a vi ir embora e não fiz nada. Fui eu que a mandei embora. Por que? Por burrice. Por achar que eu estava sendo forte no meu momento mais fraco. Então, meu filho, te digo: seja forte e siga seus sonhos.

O velho tossiu sua carreira catarrenta e amarga de novo. Dessa vez, já tinha um copo d'água nas mãos e deu três goles. Era difícil falar sobre essas coisas, mas se sentia na obrigação de alertar seu neto. Mais que isso, sentia necessidade de desabafar todo aquele peso de uma vida, daquela mesma vida cheia de derrotas que ele fingiu ser nada.

Eu sempre quis ser admirado. Queria aplausos, o tempo todo se fosse possível. Buscava isso em cada passo, em cada olhar. Demorei tempo demais para entender que pessoas medíocres não são admiradas. Demorei essa vida toda. Tive que cair aqui nessa cama para compreender.

Mas eu sou mesmo um velho besta! Por que estou te falando tudo isso? É claro que você é um garoto forte. Eu torço para que seja um homem forte, coisa que nunca consegui ser. Mascarei tudo na vida, fingi, sofri. E agora estou aqui morrendo. Bom, abre essa janela que preciso de ar. E me passa aquela pastilha doce que de amarga já me bastou essa vida.

E o neto estendeu a mão no pote que estava sobre a cômoda, passou a bala para o avô e foi abrir a janela. A brisa que batia a tarde era boa, mas não livrava o velho da tosse, da vida. O garoto seguiu pensativo, com seu olhar curioso varrendo os cantos do quarto.

quarta-feira, 13 de março de 2013

Fora de órbita



Era preciso sabedoria, e ela sempre lhe faltava. Era preciso noção, e lá raras vezes ela estava. Então foi preciso engolir seco e segurar as lágrimas nos olhos. Foi difícil. Mas também foi o risco que se quis correr.

Não há minuto para externalizar o lamento. Depois de ignorar a sinceridade o que resta é se calar. E calou. Sempre no momento errado de ser. O grito que foi dito quando não devia, a palavra que não foi solta quando devia. Tudo fora de órbita.

A única coisa que não errou o compasso foi o amor.  Porém foi golpeado antes de completar seu percurso.

domingo, 10 de março de 2013

Pensando alto

Daí ela se perguntou:
é possível sentir saudade assim?

Era. Não sabia como, mas era. E sentia. Lembrou do sorriso, da delicadeza nos gestos, do beijo no olho. E essa saudade também lhe arrancava sorrisos sinceros.

Suspirou e foi molhar os pés no mar para agradecer.

terça-feira, 26 de fevereiro de 2013

Vinte e seis



Ela se deu conta no momento em que acordou. Que dia é hoje? - pensou. E no minuto seguinte se arrependeu da constatação.

Ela sabia, era aquele dia que não queria que chegasse. Não queria ter que pensar que ele existe. Não que ela se importe com datas, mas tem em seu coração as que lhe são especiais. Elas permanecem. E hoje era pra ser um dia especial.

Era... Mas ela vai passar o dia de pijama, porque não quer se levantar. Não vai nem mesmo abrir as cortinas, pois não se sente à vontade para olhar o sol. Não há sorriso, nem esperança.

Hoje não há festa. Sem comemoração, sem bolo, sem presente, sem flor, sem amor. Não há espaço nem mesmo para sentir saudade. Resta só um monte de pensamento que ela não sabe processar em palavras. Uma expressão apática porque custa a entender fraquezas.

Resta nela lembranças, e não são poucas.  Agora resta também uma data dentro da mesma gavetinha dos risos, abraços e olhares.

quinta-feira, 21 de fevereiro de 2013

O tom, o som, o mar

Meu sonho não viaja só no tamborim
É apenas uma parte, curiosidade

Eu vi o tom
Ouvi o som
Adentrei o mar

Achei um guri sorrindo
Um olhar bandido
Muita razão
Razão?
Jogue a serpentina
Assopra o apito

Solta o som
Veja o tom
Sinta o mar

Um beijo, um cheiro
Um cantar
Feitiço maior não conheço
Aqui o samba está
O meu bloco segue com seu refrão

Eu quero é ver o tom
Ouvir o som
Sorrir pro mar

Esse som é poesia
Esse tom, esse mar

segunda-feira, 18 de fevereiro de 2013

Encontro das águas

[ou seria das almas?]


Os encontros são lindos e providenciais. Um dia teremos sabedoria para entender. Hoje, absorvemos no meio do porre como coisas banais.

Mas nossas palavras vãs, um dia, serão interpretadas com todo merecimento. E nossas viagens, nossos beijos e palavras estarão nos seus devidos lugares.

Com amor, porque amor é palavra ampla e sentimento muito mais amplo. E, às vezes, precisamos de uma vida a mais para entender.

quinta-feira, 14 de fevereiro de 2013

Desaba Sampa

Foto: Acervo Sala dos Reflexos

Na minha selva de pedras chove granizo. Não vejo a ponta do arranha-céu. Estou presa aqui.

Desaba a babilônia enquanto eu sonho. Alagou. Transbordou. Partiu.

Marginal? Já não existe. Só eu e você na contramão.


quarta-feira, 13 de fevereiro de 2013

O fim que também é começo

Hoje não teve banho no quintal. A manhã era de chuva, os rostos e caminhos eram outros. Não foi o mesmo café. Hoje não foi dia de santoantoniar. Pensei no futuro e na saudade... Acabou?

Ainda há planos, um recomeço. A quarta-feira é de cinzas e a realidade aqui não tem sol. Mas eu sigo porque o coração é colorido e, sim, ele é de carnaval.


sexta-feira, 8 de fevereiro de 2013

Salva a dor



As ruas foram limpas
Sumiram com os pivetes
Montaram os camarotes
Formaram os cordões
E, depois, quem se importa?
O negro tá na moda
Samba, diversão e carnaval
Mas minha mãe não gosta
Lamenta, reclama, chora
Silenciosamente, por estes dias
Seu amor é dor

sábado, 19 de janeiro de 2013

De saída

Ainda me lembro do dia em que chegamos aqui. A maneira como liberamos espaço para nossas coisas, pintamos as paredes com cores novas, preenchemos cada canto com nosso jeito.

Não tínhamos muitas coisas, mas em pouco tempo tudo estava preenchido. De repente uma cortina, um quadro novo, um bibelô daquela viagem pra outro estado. Cada cômodo tomando a sua forma, de baixo de nosso olhar e nosso sorriso.

Até nosso cachorro que estava sempre a procurar um novo cantinho pra chamar de seu.

Tenho todas as lembranças. Cada uma delas passou agora pela minha cabeça.

Hoje, sentada aqui nessa sala vazia, eu suspiro. Às vezes a gente não quer mudar, mas a vida acaba mudando a gente. E não é apego pelo material, é um certo medo de abandonar um caminho sem a certeza de que o próximo será tão colorido.

A gente não tem certeza se o novo quarto vai ser tão aconchegante e se o cachorro vai gostar da nova vista da sacada. Mas o certo é que todo mundo se acostuma. E com o tempo tudo acaba tomando nossa forma outra vez.

quinta-feira, 17 de janeiro de 2013

Outra vez



João, me escute. 
Um sonho não merece ter uma segunda chance? Tudo na vida merece - e quase sempre tem - uma outra chance. Por que ir assim? 

Não vou insistir já que me pediu pra não fazer isso, estou apenas perguntando. Aprendi que perguntar evita que a gente erre. 
Mas se era tudo isso, se teve coragem e vontade de tentar uma vez, por que não mais uma? Quem sabe não é a chance de tudo se acertar.

Escute, João, não solta da minha mão. Me deixa saber.
Quem é que nunca falhou? Seu time do coração já falhou, seu carro já falhou, sua memória já falhou, seu melhor amigo já falhou, até sua família já falhou... E somente nós que não merecemos recomeçar?

Não adianta dizer pra eu ser feliz longe de você, porque é do seu lado que quero ser feliz. Pra que deixar no sonho aquele nosso filho, se a gente pode deixá-lo correndo pela sala?

João, me diz toda  a verdade. 
Entendo que você possa querer caminhar alguns passos em outras bandas - e tá vendo só, até isso está ganhando uma outra chance -, que pode estar magoado, que pode estar cansado... Me diz, um amor tão grande não merece uma segunda chance?

Talvez aquela casa no mato, o mochilão pelo mundo, o projeto de sucesso, a família aumentada, a felicidade completa e todas aquelas outras tantas linhas da história ainda estejam esperando para acontecer. Mas sem mais uma chance, como é que vamos saber?


quarta-feira, 16 de janeiro de 2013

Exército


Foto: Dani Peraze

Somos formigas
Somos gado
Não sabemos da nossa força
Tampouco de nosso potencial
Temos medos
Temos angústias
Temos desejos
Somos inseguros
Somos humanos

sábado, 12 de janeiro de 2013

Coleção


Foto: Kosuke Arakawa

As palavras estão todas aqui entaladas. E eu só queria saber como faz pra sair... Queria poder expressar o que sinto, colocar pra fora de uma única vez até que não sobrasse nada. Não consigo, então eu choro.

Tem um grito abafado aqui dentro, tem um coração em pedaços. E cada vez que ele se quebra uma parte se perde. Será que no dia em que eu morrer ainda terei um coração? Quem é que sabe...

Hoje o que tenho é mágoa. Preferia colecionar sorrisos. E que fossem completos e não amarelos como a vida os faz ser.

terça-feira, 1 de janeiro de 2013

01/01/2013

É isso. Mais um ano se foi e mais um ano vem aí.

Eu não costumo dizer que um novo ano está aí cheio de páginas em branco pra escrevermos uma nova história. Acho sim que ele está aí para continuarmos nossa história de uma maneira melhor e mais bonita.

Agradeço a todos os encontros e reencontros proporcionados no ano anterior e espero poder continuar essa convivência. Sorrisos, palavras, abraços e suspiros. Que me sobre amor para doar para todos os que me são queridos. Que me sobre tempo para conversar e celebrar com cada um.

Desejo ter saúde para acompanhar as crianças que nasceram e as que estão por chegar. E que junto delas eu possa ter certeza que o mundo ainda pode ser um lugar bom.

Espero que eu tenha boas noites de sono e possa sonhar com os que estão longe, deixando-os um pouquinho mais perto mesmo que por instantes.
E que eu não perca a capacidade de sonhar com meus jardins floridos e imaginar coisas belas.

Que meus tombos e feridas me fortaleçam e me façam ir atrás das coisas que desejo. Que minha fé não falhe. Que eu tenha coragem e determinação. Que eu faça valer cada conselho recebido. Que apesar de alguns passos tristes eu possa estampar um sorriso no rosto e ter brilho nos olhos. Que eu acredite, pois só assim poderei caminhar.

Novos sabores, novos sons, novos cheiros, novas imagens, novos lugares, novos encontros. Paz, amor, saúde, realizações. E que o saldo final dos 365 dias seja positivo.

Desejo um ótimo 2013 para todos nós.